sexta-feira, 31 de julho de 2015

O TEATRO DA ÉPOCA ROMÂNTICA

  O surgimento do teatro brasileiro

Em 1838, foi encenada pela primeira vez a tragédia Antônio José ou poeta e a Inquisição, de Gonçalves de Magalhães (1811-1882). De acordo com o próprio autor, foi “a primeira tragédia escrita por um brasileiro” e, até então, a “única de assunto nacional”.
Apoiado pelo autor e agitador cultural João Caetano (1808-1863), Gonçalves de Magalhães lançou as bases para uma produção teatral que se consolidaria nas mãos do carioca Luís Carlos Martins Pena (1815-1848), dando início à dramaturgia brasileira. Muitos escritores românticos posteriores escreveram peças teatrais; entre eles, José de Alencar. Joaquim Manuel de Macedo, Castro Alves, Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias e Qorpo Santo.
As diferenças de estrutura entre as peças de Gonçalves de Magalhães e de Martins Pena são marcantes. Enquanto o primeiro ainda segue o modelo da tragédia clássica, estabelecido pelo filósofo grego Aristóteles, Martins Pena incorpora mudanças introduzidas pelo Romantismo.
Segundo o modelo do teatro clássico, uma tragédia deveria conter cinco atos e as falas das personagens teriam versos ritmados, regulares. Além disso, seu protagonistas deveria ser sempre um herói, sujeito capaz de “ações de caráter elevado”, como apontado por Aristóteles.
Martins Pena substitui a tragédia clássica pelo drama burguês, sem  essa restrição aos cinco atos. Também adota o texto em prosa e transforma o ser humano comum em protagonista de suas tramas.

Ø  Martins Pena e a comédia de costumes

Como o teatro de Gonçalves de Magalhães ainda apresenta características marcadamente clássicas, Martins Pena pode ser considerado o primeiro dramaturgo romântico do Brasil.
A incorporação da prosa como estilo, a representação inédita de um Brasil urbano e da sociedade burguesa no tetro e o uso do humor na crítica aos costumes fizeram de Martins Pena um dramaturgo muito popular em seu tempo. Suas peças se tornaram um sucesso de público e crítica. Por isso, o escritor também costuma ser considerado o verdadeiro inventor do tetro brasileiro.
Martins Pena produziu intensamente: de 1833 a 1847 escreveu quase 30 pecas teatrais. Sua obra, constituída em sua maior parte por comédias, satiriza a sociedade do século XIX. A desigualdade entre ricos e pobres, os casamentos por interesse, a corrupção da máquina pública, a exploração religiosa, o contrabando de mão obra escravizada: todos esses temas são alvo da sátira social de Martins Pena.
Mesmo sem se aprofundar na caracterização psicológica de suas personagens ou nas questões sociais que suas peças abordam, o dramaturgo consegue trançar um amplo painel da sociedade urbana carioca e brasileira do século XIX, época marcada pelo desenvolvimento do capitalismo e pela ascensão da burguesia, tornando explícito o poder do capital como intermediador das relações sociais.
Uma das fórmulas utilizadas com sucesso por Martins Pena foi o humor gerado pelo contraste entre personagens que representam o tipo interiorano – o “roceiro”, o “caipira” – e personagens com hábitos sociais do centro urbano. Tradições e costumes populares são representados nas obras, assim como a linguagem do sertanejo, cuja caricatura é exagerada pelo autor para despertar o riso na plateia da cidade.
Em relação à estrutura formal do texto, a utilização da prosa na construção dos diálogos confere às comédias de Martins pena um dinamismo até então desconhecido da planteia, acostumada às encenações declamadas, ritmadas pelo verso metrificado e regular.  A construção do humor muitas vezes se dá pela sucessão veloz de expressões e comentários irônicos atravessando os discursos, como podemos ver no trecho de Os dous ou o inglês maquinista, em que a inocente Mariquinha conversa com a esperta Cecília a respeito de amores e namorados:


MARIQUINHA  - Com efeito!
       E amavas a todos?
CECÍLIA – Pois então?
MARIQUINHA –Tens belo coração de estalagem!
CECÍLIA – Ora, isto não é nada!
MARIQUINHA –Não é nada?
CECÍLIA – Não. Agora tenho mais namorados que nunca; tenho dous militares, um empregado do Tesouro, o cavalo rabão...
MARIQUINHA – Cavalo rabão?
CECÍLIA – Sim, um que anda num cavalo rabão.
MARIQUINHA – Ah!
CECÍLIA – Tenho mais outros dous que eu não conheço.
MARIQUINHA – Pois também namoras a quem não conheces?
CECÍLIA – Pra namorar não é preciso conhecer. [...]  
(Pena,Martins. Os dous ou o inglês maquinista. In: Teatro de Martins Pena: comédias, Rio de Janeiro: Instituto Nacional do livro, 1956. P. 107.) 

Em resumo, a simplicidade da linguagem e a dinâmica dos diálogos, somados à crítica de costumes, à sátira e ao humor, dão o tomo= das comédias de Martins Pena. Algumas das principais comédias que escreveu são O noviço, Os dous ou o inglês maquinista e O judas em sábado de aleluia.

Ø  O teatro de vanguarda de Qorpo Santo


 Qorpo Santo é o pseudônimo com que o gaúcho José Joaquim de Campos Leão (1829-1883) assinava suas obras. O nome incomum corresponde a uma produção teatral igualmente estranha para os moldes da época. Ainda que as peças de Qorpo Santo, como As relações naturais, deem, de certa forma, sequência à comédia de costumes iniciada por Martins Pena, elas desafiam quem tenta classifica-las. Certas características inovadoras, como a quebra da linearidade e o intenso uso do nonsense (situações e falas ilógicas, absurdas). Levaram Qorpo Santo a ser considerado um antecipador do vanguardista Teatro do Absurdo, cujas peças, surgidas logo após a Segunda Guerra Mundial, apresentavam situações incomuns. Talvez por ser tão diferente do que havia em sua época, no entanto, o dramaturgo gaúcho morreu sem ter seu talento reconhecido. Publicadas em 1866, suas peças demoraram um século para ser encenadas.

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