sexta-feira, 31 de julho de 2015

ESCRITORES DO ROMANTISMO BRASILEIRO – PRIMEIRA GERAÇÃO


Na poesia da primeira geração, predomina a busca pela nacionalidade brasileira. Mas observamos outras tendências na prosa, como o romance regionalista, o romance histórico e o romance urbano, aquele que tem como cenário a cidade grande.

     
.    JOSÉ DE ALENCAR
( José Martinho de Alencar, nascido em 1829, morto em 1877. Estudou Direito em São Paulo; Trabalhou como jornalista, elegeu-se deputado, foi Ministro da Justiça.)
Ø  Alencar Indianista: os fundadores da nação
Após a Independência política do país, o Romantismo buscou a figura do indígena como forma de distinguir o Brasil de Portugal e mostrar as potencialidades da nova nação. Como resultado desse primeiro momento, o indianismo invadiu a cultura do século XIX e teve em José de Alencar ( 1829-1877) seu mais célebre romancista.
Peri, primeira personagem indígena do autor a conquistar o interesse do público, protagoniza o romance O guarani (1857). A narrativa gira em torno do envolvimento do goitacá Peri em uma luta entre indígenas e brancos, causada pela morte acidental de uma jovem aimoré por um jovem português. Peri luta para defender a família portuguesa recém-estabelecida na terna da vingança dos Aimorés. Totalmente devotado a Cecília (Ceci), filha do fidalgo dom Antônio de Mariz, recebe deste a incumbência de garantir a sobrevivência da moça.
Iracema (1865), segundo romance indianista de Alencar, conta a história da jovem tabajara que deveria permanecer virgem a fim de cumprir seu papel de sacerdotisa. Ao se apaixonar pelo colonizador português Martim, entrega-se a ele; por isso, passa a ser considerada traidora da tribo. Sua breve vida será marcada pela tristeza, e o nascimento de seu filho, Moacir, determinará sua morte.
Por fim, Ubirajara (1874) narra  as provas vividas pelo herói indígena que dá nome ao romance para liderar a união de povos inimigos em uma única nação fortalecida.
A chamada trilogia indianista de José de Alencar mostra, portanto, em ordem inversa á dos eventos históricos, as três etapas da relação do indígena com o colonizador: O guarani trata do processo de povoamento português; Iracema, da chegada dos primeiros brancos e da miscigenação; Ubirajara, da convivência entre as nações indígenas quando os brancos ainda não haviam aportado.
Ø  Heróis brasileiros
José de Alencar tratou a cultura indígena como marca específica da nacionalidade e, por isso, seus representantes são típicos heróis. Em nenhum momento, entretanto, o herói indígena supera o branco colonizador. Ambos se equivalem em honra e coragem para que seus descendentes, frutos da miscigenação, possam justificar o orgulho patriótico.
O perfil idealizado das personagens indígenas incorpora, de um lado, os traços positivos dos europeus e, de outro, a grandiosa natureza local com a qual seu aspecto físico é comparativo.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa de graúna e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo de jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.”
( Alencar, José de. Iracema. São Paulo: Companhia Editorial Nacional, 2004. P. 19.)
Ao destacar a beleza delicada da personagem, o autor promove uma idealização que cumpre duas funções: alinhar o indianismo aos ideais românticos e minimizar a crença, vinda desde o início da colonização, de que os indígenas constituíam uma etnia inferior e rústica. Trata-se, é evidente, de uma abordagem etnocêntrica, já que a valorização do povo nativo não ocorreu por suas qualidades próprias, mas sim por aquilo que os fazia parecidos com o que o europeu considerava bom e belo.
O autor contribuiu, não obstante, para modificar p preconceito quanto à cultura nativa ao incluir, na introdução dos romances e em inúmeras notas de rodapé, informações históricas e vocabulário tupi-guarani, frutos de seus estudos sobre os diversos povos indígenas. Aliás, a incorporação de palavras indígenas e o trabalho com a  linguagem em geral foram elementos fundamentais na elaboração de seus romances.
“ – Jurandir é moço; ainda conta os anos pelos dedos e não viveu bastante para saber o que os anciões da grande nação tocantim aprenderam nas guerras e nas florestas. O moço é o tapir que rompe a mata, e voa como a seta. O velho é o jabuti prudente que não se apressa. O tapir erra o caminho e não vê por onde passa. O jabuti  observa tudo, e sempre chega primeiro.[...] ”
( Alencar, José de. Ubirajara. São Paulo: FTD, 1994.p.62.)
Tanto na descrição e na construção de suas personagens quanto na maneira de narrar os fatos. Alencar procura garantir, pela aproximação do universo próprio do nativo, maior credibilidade á imagem favorável que está sendo construída. Tal estratégia favorece a concretização do projeto do autor: criar heróis capazes de ser assimilados pelos brasileiro.
Ø  Alencar histórico: a recriação do passado
Várias personagens dos romances indianistas realmente fizeram parte da história do Brasil e, por isso, tais obras de Alencar são também consideradas históricas. Essa classificação, porém, cabe melhor ao conjunto de narrativas que trataram das riquezas da terra brasileira, de sua posse definitiva e do alargamento de suas fronteiras. São romances que relatam episódios históricos desde o inicio da conquista do país. Entrelaçam-se neles enredos imaginativos e o registros de fatos, datas e locais, com o objetivo de mostrar a origem do povo brasileiro.
As minas de prata (1862) é um exemplo do gênero, que, a propósito, não alcançou grande popularidade. Em meio a duelos conspirações, perseguições e outras peripécias, o romance retrata a saga dos desbravadores do sertão brasileiro na busca por metais preciosos. A obra traz também uma crítica à cobiça dos bandeirantes e aos atos religiosos da Companhia de Jesus.
Ø  Alencar regional: recortes do Brasil
O regionalismo de Alencar corresponde a um desdobramento de seu indianismo, pois nas obras consideradas regionalistas o autor criou, também mitos de origem do país. Elegeu, para isso, figuras masculinas de áreas que distavam dos centros mais desenvolvidos, cuja autêntica brasilidade estaria preservada pelo contato menor com os europeus. Assim, o escritor pôde compor um quadro social bem abrangente do Brasil, ao colocar em cena sertanejos, gaúchos, fluminenses e paulistas interioranos.
Nesse tipo de romance, além de retratar a fauna e a flora da região, Alencar revela, com grande poder criativo, particularidades culturais da sociedade rural. É o que se percebe neste trecho de O sertanejo (1875), no qual Arnaldo explica para sua mãe por que não acatará as ordens do capitão-mor, principal autoridade da região.
“ – Não cometi nenhum crime para carecer de perdão, mãe.
Justa denunciou no semblante a estranheza que lhe causavam as palavras do filho:
- Pois não desobedeceste ao senhor capitão-mor, Arnaldo?
- Para desobedecer-lhe era preciso que ele tivesse o poder de ordenar-me que fosse um vil; mas esse poder, ele não possui, nem alguém neste mundo. O senhor capitão-mor exigiu de mim que lhe entregasse Jó, e eu recusei.
- Mas filho, o senhor capitão-mor não é o dono da Oiticica? Não é ele quem manda em todo esse sertão? Abaixo de El-rei que está lá na sua corte, todos devemos servi-lo e obedecer-lhe.
- Pergunte aos pássaros que andam no ares, e ás feras que vivem nas matas, se conhecem algum senhor além de Deus? Eu sou como eles, mãe.
- Tu és meu filho, Arnaldo. Lembra-te do que foi para teu pai esta casa onde nasceste, e do que ainda é hoje para tua mãe.
- Os benefícios, eu os pagarei sendo preciso com a vida; mas essa vida que me deu, mãe, se eu a vivesse sem honra, meu pai lá do céu me retiraria sua bênção.”
(Alencar, José de. O sertanejo. São Paulo: Ática, 1975. P . 80-81.)
O fragmento mostra valores e costumes do universo interiorano. Por meio dele, sabe-se do poder quase irrestrito do capitão-mor, que assume a função do Estado na região, determinando regras, exigindo seu cumprimento e punindo os desobedientes, sabe-se, igualmente, que a família do protagonista recebeu benefícios desse proprietário e, por isso, sente-se em dívida permanente. Esses elementos refletem as relações entre proprietários e empregados no sertão à época.
É nesse universo peculiar que surge Arnaldo, o herói idealizado em quem se une a tradição europeia do indivíduo honrado com os traços particulares do sertanejo do Brasil. Assim como no romance indianista, os elementos do cenário nativo – a liberdade dos pássaros e das feras – são incluídos na composição da personagem para criar o mito. As virtudes do indivíduo interiorano são destacadas e muitas vezes confrontadas com as características do morador da cidade, vil ou insignificante. É uma forma de Alencar criticar o progresso, quando este altera os valores e a aparência das regiões.
Ø  Alencar urbano: análise de costumes
Nos romances urbanos, a figura feminina emerge e recebe caracterização psicológica repleta de sutilezas e ambiguidades. Por isso, é comum a alusão aos perfis de mulheres construídos por José de Alencar.
Em suas principais obras do ciclo urbano, Lucíola (1862), Diva (1864) e Senhora (1875), o autor trata de mulheres de personalidades forte, responsáveis por suas próprias vidas; incomuns portanto, para a sociedade da época. Em Senhora, a protagonista Aurélia, subitamente enriquecida por uma herança do avô, “compra” o homem que ama, oferecendo-lhe um dote em dinheiro. Este a abandonara, quando ela era pobre, por uma moça rica, mas depois, necessitado, aceita o contrato de casamento. Nesta passagem, logo após o casamento, ela humilha Fernando Seixas por ter aceitado sua proposta.
“ – A riqueza que Deus me concedeu chegou Tarde; nem ao menos permitiu-me o prazer da ilusão, que têm as mulheres enganadas. Quando a recebi, já conhecia o mundo e suas misérias; Já sabia que moça rica é um arranjo e não uma esposa; pois bem, disse eu, essa riqueza servirá para dar-me a única satisfação que ainda posso ter neste mundo. Mostrar a esse homem que não me soube compreender, que mulher o amava, e que alma perdeu. Entretanto ainda eu afagava uma esperança. Se ele recusa nobremente a proposta aviltante, eu irei lançar-me a seus pés. Suplicar-lhe-ei que aceite a minha riqueza, que a dissipe se quiser; mas consinta-me que eu o ame. Essa última consolação, o senhor a arrebatou. Que me restava? Outrora atava-se o cadáver ao homicida, para expiação da culpa; o senhor matou-me o coração, era justo, era justo que o prendesse ao desejo de sua vítima. Mas não desespere, o suplício não pode ser longo: este constante martírio a que estamos condenados acabará por extinguir-me o último alento; o senhor ficará livre e rico.
(Alencar, José de. Senhora. São Paulo: Scipione, 1994. P. 87.)
O desejo de vingança dá vigor e autoridade a Aurélia. Suas concepções românticas, entretanto, dão origem a sua mágoa, pois ela acredita no amor único e verdadeiro. Aurélia não é uma “ feminista”, nem deseja abrir mão do destino da mulher, que era se casar. O centro da trama está no desequilíbrio amoroso produzido pelo dinheiro na vida conjugal. Neste e em outros romances urbanos de José de Alencar, orgulho, inveja e amor ferido revelam a critica do autor aos valores burgueses.
Tal tendência poderia ter levado o romance urbano de Alencar em direção ao Realismo, uma tendência literária que se consolidaria posteriormente. Seus enredos e as convicções de suas personagens, no entanto, permaneceram românticos. Na sequência dos acontecimentos, o narrador reconstrói a dignidade do herói e mantém a idealização romântica: Fernando se reabilita, e Aurélia pode amá-lo como herói honrado que ele passa a ser.
Em síntese, mesmo movidos pela idealização romântica, os romances de Alencar registram de forma crítica os valores da época. Além disso, cumprem um papel de crônicas de costumes do Rio de Janeiro imperial ao descrever a vida burguesa na corte.

·         Joaquim Manuel de Macedo: o nascimento do romance brasileiro
(Nascido em 1820, morto em 1882. Médico, fundou junto com Gonçalves Dias a revista Guanabara.)
Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882) pode ser considerado o primeiro romancista brasileiro. Em 1844, mesmo ano em que se formou em Medicina, lançou sua primeira e mais célebre obra: A Moreninha. O autor escreveria mais 17 romances, todos seguindo a mesma formula bem-sucedida da obra de estreia: narrativas leves, envolventes, cheias de diálogos e com final surpreendente.
A Moreninha narra os desdobramentos de uma aposta entre um grupo de estudantes de Medicina em viagem à ilha onde mora a avó de um deles, de nome Filipe. Tudo acontece porque um dos jovens, Augusto, afirma ser incapaz de amar apenas uma mulher. E os demais afirmam que ele voltará apaixonado da viagem, o que o obriga a escrever um romance sobre o acontecimento.
Augusto perde a aposta, pois se apaixona pela irmã de Filipe, Carolina, a moreninha. Todavia, a paixão passa por complicações, uma vez que o rapaz havia jurado seu amor a alguém que conhecera aos 13 anos. O conflito só tem solução ao final da narrativa, quando o rapaz faz uma surpreendente descoberta.
A moreninha e os demais romances de Macedo apresentam protagonistas moralmente virtuosas, que se caracterizam pela pureza afetiva e têm no casamento o objetivo redentor de sua vida, alcançado somente após um longo período de conflitos e sofrimentos, Esse sentimentalismo exacerbado, tipicamente romântico, divide espaço com a crônica dos costumes da sociedade burguesa, embora não chegue a ressaltar as contradições e os conflitos desse meio social.
“  A Moreninha : Capítulo 16 -  O sarau
Um sarau é o bocado mais delicioso que temos, de telhado abaixo. Em um sarau todo mundo tem fazer. O diplomata ajusta, com um copo de champanha na mão, os mais intrincados negócios; todos murmuram e não há quem deixe de ser murmurado. O velho lembra-se dos minutes e das cantigas d seu tempo, e o moço goza todos os regalos da sua época; as moças são no sarau como as estrelas no céu; estão no seu elemento; aqui uma, cantando suave cavatina, eleva-se vaidosa nas asas dos aplausos, por entre os quais surde, ás vezes, um bravíssimo inopinado, que solta de lá da sala do jogo o parceiro que acaba de ganhar sua partida do “écarté”, mesmo na ocasião em que a moça se espicha completamente, desafinando um sustenido; daí a pouco vão outras pelo braço de seus pares, se deslizando pela sala e marchando em seu passeio, mais a compasso que  qualquer de nossos batalhões da Guarda Nacional, ao mesmo tempo que conversam sempre sobre objetos inocente que movem olhaduras e risadinhas apreciáveis. Outras criticam de uma gorducha vovó, que ensaca nos bolsos meia bandeja de doces que vieram para o chá, e que ela leva aos pequenos que, diz, lhe ficaram em casa. Ali vê-se um araviado dândi que dirige mil finezas a uma senhora idosa, tendo os olhos pregados na sinhá, que senta-se ao lado. Finalmente, no sarau não é essencial ter cabeça nem boca, porque, para alguns é regra, durante ele, pensar pelos pés e falar pelos olhos.
E o mais é que nós estamos num sarau. Inúmeros batéis conduziram da corte para a ilha de... senhoras e senhores, recomendáveis por caráter e qualidade: alegre, numerosa e escolhida sociedade enche a grande casa, que brilha e mostra em toda a parte borbulhar o prazer e o bom gosto.
Entre todas essas elegantes e agradáveis moças, que com aturado empenho se esforçam por ver qual delas vence em graças, encantos e donaires, certo que sobrepuja a travessa Moreninha, princesa daquela festa.”
(Joaquim Manoel de Macedo, A Moreninha, Moderna, p. 120-1)

·        Manuel Antônio de Almeida: a malandragem em cena
Órfão e de origem humilde, Manuel Antônio de Almeida (1831-1861) teve de trabalhar desde cedo para sobreviver. Formou-se em Medicina, mas dedicou-se quase sempre ao jornalismo, ora como revisor, ora como redator do Correio Mercantil. Foi nesse jornal que publicou, na forma de folhetim, seu único romance, Memórias de um sargento de milícias, entre 1852 e 1853. A obra foi suficiente para consagrá-lo.
Embora seja contemporâneo de Joaquim Manuel Macedo e dê continuidade ao romance urbano iniciado por este, Manuel Antônio de Almeida apresenta mais diferenças do que semelhanças com o autor de A Moreninha e a maioria dos escritores da época. Sua linguagem tem um tom coloquial, mais próximo da linguagem jornalística, bem diferente do rebuscamento e da abundância de metáforas adotadas no romance urbano.
Além disso, não há na obra de Manuel Antônio de Almeida idealização nem do protagonista nem da figura feminina. Outra novidade a destacar é que nas Memórias o espaço retratado é o do indivíduo comum, da classe média do centro urbano, em contraste com o ambiente da burguesa abastada, como acontece, por exemplo, em A moreninha.
Diferentemente dos narradores tipicamente românticos que criticam e elogiam de maneira exagerada a realidade sobre a qual falam, Manuel Antônio de Almeida apresenta em sua obra uma observação satírica e irônica das relações de interesse entre personagens. Algumas destas nem sequer têm nome; sua designação restringe-se ao papel social que desempenham: o barbeiro, a parteira, etc. Em uma passagem de Memórias, o narrador chega a ironizar o termo romântico: ”mas o homem era romântico, como se diz hoje, e babão como se dizia naquele tempo”.
Ao contrário do virtuoso herói romântico, Leonardo, protagonista da obra, é um malandro – Almeida foi um dos primeiros escritores a introduzir na literatura brasileira essa figura simbólica que posteriormente se tornaria tão forte no imaginário nacional. O malandro é aquele que, sem se dedicar a um trabalho convencional, e também sem ser necessariamente um criminoso, equilibra-se entre essas duas esferas, driblando as adversidades da vida a fim de sobreviver. Leonardo é um anti-herói moderno, mais próximo de uma pessoa comum, constituída de virtudes e defeitos.
Trecho de Memórias de um sargento:
“[...] Achava ele um prazer suavíssimo em desobedecer a tudo quanto se lhe ordenava; se se queria que estivesse sério, desatava a rir como um perdido com o maior gosto do mundo; se se queria que estivesse quieto, parece que uma mola oculta o impelia e fazia com que desse uma ideia pouco mais ou menos aproximada do modo-contínuo.”
( Almeida, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias. São Paulo: Moderna, 1993. P. 48-49)

·         GONÇALVES DIAS
(Antônio Gonçalves Dias, nascido em 1823, morto em 1864. Filho de uma mestiça e de um comerciante português, estudou direito em Coimbra. Foi professor e jornalista.)
Gonçalves Dias, como José de Alencar, construiu personagens indígenas conforme as convenções românticas. Em seus poemas, porém, a ênfase não recai sobre a personalidade do herói e seus feitos, mas sobre seus valores e sentimentos. E, apesar do exagero de certos traços de bravura, a representação do indígena e de sua cultura é verossímil. Isso contribuiu para aceitação, pelo leitor da época, do nativo como modelo para orgulho pátrio.
Ao permitir que o indígena se expresse nos poemas ou que assuma o papel de eu lírico, o poeta explicita a sensibilidade desse indivíduo. Assim, nesse trecho de “Marabá”, que quer dizer “mestiça”, é a indígena que se lamenta por ser desprezada pelos homem da tribo:


“Eu vivo sozinha; ninguém me procura!
Acaso feitura
Não sou de Tupá?
Se algum dentre os homens de mim não se
                                              [esconde
- “Tu és”, me responde,
“Tu és Marabá!”
Meus olhos são garços, são cor das safiras,
Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar;

Imitam as nuvens de um céu anilado,
As cores imitam das vagas do mar!

Se Algum dos guerreiros não foge a meus
[passos:
- “Teus olhos são garços”,

Responda anojado, ”mas és Marabá”:
“Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes,
“Uns olhos fulgentes,
“Bem pretos, retintos, não cor d’anajá!
(Dias, Gonçalves. Poesia. 8 ed. Rio de Janeiro: Agir, 1977. P. 54.)
No poema, Gonçalves Dias usou o eu lírico feminino e uniu dois dos principais temas de sua poética: a frustação amorosa e o indianismo. Dois ideais de beleza se contrapõem: de um lado, o ideal europeu – a moça tem olhos esverdeados; de outro, o ideal indígena – o rapaz prefere olhos bem escuros, como é típico de seu povo.
Ø  Lírica Contida
Gonçalves Dias é reconhecido como um grande poeta lírico. Suas composições são marcadas pela melancolia e pela saudade, como se nota no fragmento abaixo de “Ainda uma vez, adeus!”, poema que trata do reencontro inesperado de namorados após anos de separação.


“ Mas que tens? Não me conheces?
De mim afastas teu rosto?
Pois tanto pôde o desgosto
Transformar o rosto meu?
Sei a aflição quanto pode,
Sei quanto ela desfigura,
E eu não vivi na ventura...
Olha-me bem, que sou eu
Nenhuma voz me diriges!...
Julgas-te acaso ofendida?
Que ma darias – bem sei;
Mas lembrem-te aqueles feros
Corações que se meteram
Entre nós; e se venceram,
Mal sabes quanto lutei!


(Dias, Gonçalves. Poesia 8. Ed. Rio de Janeiro: Agir, 1977. P. 61.)
O poeta produz uma poesia mais equilibrada e , nesse sentido, mais clássica. Assim, mesmo quando seu tema é a desilusão amorosa, o êxtase religioso ou a morte, seus poemas raramente expressam um sentimentalismo espontâneo e exagerado. Em seu lugar, buscam a palavra precisa e a imaginação contida, características que revelam a influência de autores portugueses, como Almeida Garrett e Alexandre Herculano, ambos com formação neoclássica.
Ø  Inovação e Técnica
O domínio da língua portuguesa e a capacidade técnica destacam Gonçalves Dias dentre os poetas nacionais. Observe estes fragmentos. O primeiro, a seguir, extraído de “ O canto do Pinga”, traz o alerta de um sacerdote indígena que prevê a chegada dos brancos.


“ Ó Guerreiros da Taba sagrada,
Ó Guerreiro da Tribo Tupi,
Falam Deuses nos cantos nos cantos do Piaga,
Ó Guerreiros, meus cantos ouvi.
Esta noite – era a lua já morta –
Anhangá me vedava sonhar;
Eis na horrível caverna, que habito,
Rouca voz começou-me a chamar.


( Dias, Gonçalves. Poesia. 8. Ed. Rio de Janeiro: Agir, 1977. P. 45.)


Nessas duas estrofes, todo os versos possuem nove sílabas poéticas. Além disso, os acentos tônicos recaem sempre na terceira, na sexta e na nona sílabas, criando um ritmo bem cadenciado. Como o poema trata de uma premonição do sacerdote da tribo, o ritmo repetitivo diferencia a fala deste do discurso comum, atribuindo a suas palavras um valor mágico, religioso.
Este segundo trecho, extraído da obra Sextilhas de Frei Antão, retoma um conteúdo medieval.

“Bom tempo foy o d’outr’ora
Quando o reyno era chiristão,
Quando nas guerras de mouros
Era o rey nosso pendão,
Quando as donas consumião
Seos teres em devação
[..]
(Dias, Gonçalves. Poesia. 8. Ed. Rio de Janeiro: Agir, 1977. P. 195.)
A impressão de que se trata de uma obra medieval surge da forma arcaica como as palavras estão grafadas e das referências históricas: luta de cristão e mouros; presença do rei, O poema trata  da saudade dos tempos antigos, aos quais retrocede pela própria  forma de escrita.
Note-se que, tanto em um trecho quanto  em outro, a linguagem ajusta-se ao conteúdo. O ritmo cadenciado do primeiro expressa a solene alerta feito pelo eu lírico. Já a linguagem do segundo remete ao quadro histórico tratado. Gonçalves Dias testou estruturas e ritmos diversos, sempre procurando associá-los aos fatos narrados ou aos estados psicológicos que pretendia expressar.

.    VISCONDE DE TAUNAY

(Alfredo D’Escragnolle Taunay, nascido em 1843, morto em 1899. Cursou a Escola Militar, participou da Guerra do Paraguai. Foi deputado e senador.)
Os representantes da tendência regionalista do Romantismo entendiam que a imagem de um Brasil autêntico deveria retratar um espaço que não tivesse recebido influência da cultura europeia, marcante nos centro urbanos. Por isso, elegeram o interior e o sertão cenários para representar esse Brasil ingênuo e original.
Alfredo D’Escragnolle Taunay, ou Visconde  de Taunay (1843-1899), apesar de ter apenas uma obra de maior peso (Inocência, publicada em 1872), é considerado o melhor realizador da prosa regionalista romântica. Engenheiro, militar, pintor e politico, Taunay era um atento observador, sendo menos influenciado pela fantasia e pelo idealismo do Romantismo.
O enredo de Inocência tem como ambientação o interior ao sul de Mato Grosso, onde vivem Pereira e sua filha Inocência, que estava prometida em casamento para um vaqueiro truculento, de nome Manecão Doca, embora fosse apaixonada por Cirino, um jovem boticário (farmacêutico).
A descrição objetiva da paisagem e dos valores morais da sociedade local coexiste com características típicas do estilo romântico, como o amor impossível entre Inocência e Cirino o conflito do bem contra o mal apresentado de maneira esquemática; e o perfil idealizado da personagem principal ( cabocla sertaneja com características típicas de heroína romântica: pele alva e fragilidade física).
Quanto à linguagem, em Inocência o estilo culto do narrador, de formação urbana, alterna-se com o registro da língua oral sertaneja, nas falas das personagens locais.
   Trecho de Inocência em que a protagonista e Cirino confessam o amor que sentem um pelo outro. A primeira fala é de Cirino.

Capítulo XVIII - Idílio
- Porque eu amo... amo-a, e sofro como um louco... como um perdido.
- Ué, exclamou ela, pois amor é sofrimento¿
- Amor é sofrimento, quando a gente não sabe se a paixão é aceita, quando se não vê quem se adora; amor é céu, quando se está como eu agora estou.
- E quando a gente está longe, perguntou ela, que é que se sente¿
- Sente-se uma dor, cá dentro, que parece que se vai morrer... Tudo causa desgosto: só se pensa na pessoa a quem se quer, a todas as horas do dia e da noite no sono, na reza, quando se pede a Nossa Senhora, sempre ela, ela, ela!.. o bem amado...e...
- Oh! Interrompeu a sertaneja com singeleza, então eu amo...
- Você¿ indagou Cirino sofregamente.
- Se é como... mecê diz...
- É... é... eu lhe juro!...
- Então... eu amo, confirmou Inocência.
- E a quem¿... Diga: a quem¿
Houve uma pausa, e a custo retrucou ela ladeando a questão:
- A quem me ama.
- Ah! Exclamou o jovem, então é a mim... é a mim, com certeza, porque ninguém neste mundo, ninguém, ouviu¿ é capaz de amá-la como eu... Nem seu pai... nem suam mãe, se viva fosse... Deixe falar seu coração... Se quer ver-me fora deste mundo... diga que não sou eu, diga!...
- E como ia mecê morrer¿ atalhou ela com receio.
- Não falta pau pra me enforcar, nem água para me afogar.
- Deus nos livre! Não fale nisso... Mas, por que é que mecê gosta tanto de mim¿ Mecê não é meu parente, nem primo, longe seja, nem conheço sequer... Eu lhe vi apenas pouco tempo... e tanto se agradou de mim¿
- E com você... não sucede o mesmo¿ perguntou Cirino.
- Comigo¿
- Sim, com você... Por que é que está acordada a estas horas¿ Por que é que não pode dormir¿... que a cama lhe parece um braseiro, como a mim também parece¿... Por que pensa em alguém a todo o instante¿ Entretanto, esse alguém não é primo seu, longe que seja, nem conhecido sequer¿...
- É verdade, confessou Inocência com doce candura.
[...]
E, apesar de alguma resistência, fraca embora, mas conscienciosa, que lhe foi aposta, conseguiu que a formosa rapariga se recostasse ao peitoril da janela.
- Amar, observou ela, deve ser coisa bem feia.
- Por quê¿
- Porque estou aqui e sinto tanto fogo no rosto!... Cá dentro me diz um palpite que é pecado mortal que faço...
- Você tão pura! Contestou Cirino.
- Se alguém viesse agora  e nos visse, eu morria de vergonha. Sr. Cirino, deixe-me... vá-se embora!... o Sr. Me atirou algum quebranto... aquela sua mezinha tinha alguma erva para mim tomar... e me virar o juízo...
- Não, atalhou o mancebo com forçar, eu lhe juro! Pela alma de minha mãe... o remédio não tinha nada!
- Então por que fiquei... assim, que me não conheço mais¿ ... Se papai aparecesse... não tinha o  direito de me matar¿...
Foi-se-lhe a voz tornando cada vez mais baixa e sumiu-se num galfão de lágrimas.
Atirou-se Cirino de joelhos diante dela. [...]
(Taunay, Visconde de. Inocência. 28. Ed. São Paulo: África, 1999. P. 95-97)

·         BERNARDO GUIMARÃES
(Bernardo Joaquim da Silva Guimarães, nascido em 1825, morto em 1884. Estudou Direito em São Paulo, foi juiz e professor. É considerado um dos criadores do romance sertanejo).
Bernardo Guimarães (1825-1884) estreou na poesia, mas, como Taunay, consagrou-se como romancista. A simplicidade de suas tramas as aproxima de “causos” da literatura oral ou, ainda, da dinâmica narrativa dos folhetins, o que contribuiu enormemente para o sucesso de sua obra.
Bernardo Guimarães dedicou-se a retratar a vida interiorana de Minas Gerais e Goiás, com seus regionalismos culturais e linguísticos, sem, no entanto, abandonar a linguagem convencional e repleta de adjetivos, típica de um cidadão letrado da cidade.
  “ Era por uma linda e calmosa tarde de outubro. [...] A viração saturada de balsâmicos eflúvios se espreguiçava ao longo das ribanceiras acordando apenas frouxos rumores pela copa dos arvoredos, e fazendo farfalhar de leve o tope dos coqueiros, que miravam-se garbosos nas lúcidas e tranquilas águas da ribeira.”
(Guimarães, Bernardo. A escrava Isaura. São Paulo: FTD, 2011. P. 11)
Da numerosa obra de Bernardo Guimarães, apenas dois romances são destacados pela crítica: O seminarista (1872) e A escrava Isaura (1875). O ermitão de Muquém (1870), lançado dois anos antes de O gaúcho, de José de Alencar, é historicamente o primeiro romance regionalista romântico.
Ø  O seminarista: um amor impossível
O seminarista narra a história de amor entre Margarida e Eugênio. Mandado para um seminário pela família, que intercepta a correspondência do casal, Eugênio acredita ter sido esquecido pela amada e se ordena padre. Tragicamente, a primeira missa rezada por ele em sua cidade natal é a do velório de Margarida, fato que o enlouquece.
A obra retrata a sociedade interiorana – especialmente a força da Igreja sobre seus costumes – e aborda o delicado tema do celibato clerical ( proibição de relações conjugais aos religiosos). Predominam, no entanto, os lugares-comuns românticos, como o amor impossível entre heróis virtuosos, embora frágeis, e o sentimentalismo exagerado, num texto carregado de adjetivos.

Ø  A escrava Isaura: o triunfo do bem
Romance mais conhecido de Bernardo Guimarães, A escrava Isaura trata de outro tema delicado para época: a escravidão. O caráter abolicionista do livro, no entanto, precisa ser visto com reservas, uma vez que a escrava em questão é uma mulher branca, culta e refinada, aos moldes das heroínas românticas.
“ A tez é como o marfim do teclado, alva que não deslumbra, embaçada por uma nuança delicada, que não saberíeis dizer se é leve palidez ou cor-de-rosa desmaiada.
(Guimarães, Bernardo. A escrava Isaura. São Paulo: FTD, 2011. P. 13-14)
Em outra passagem, diz Malvina, senhora de Isaura:
“ És formosa, e tens uma cor tão linda, que ninguém dirá que gira em tuas veias uma só gota de sangue africano.
(Guimarães, Bernardo. A escrava Isaura. São Paulo: FTD, 2011. P. 15)
Assim, de origem negra, mas, segundo o narrador, “de cor clara e delicada como de qualquer branca”, Isaura é perseguida por Leôncio, seu perverso e obstinado senhor. Também aqui a temática social é marcada pelos lugares-comuns do Romantismo: o conflito entre Isaura e Leôncio é a expressão de um embate entre bem e mal, justiça e injustiça, pureza e vício, resultando na vitória das personagens de bom coração



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