ESCRITORES DO ROMANTISMO BRASILEIRO – SEGUNDA GERAÇÃO
A segunda geração romântica, também
chamada ultrarromântica ou byroniana. Os poetas dessa geração
cultivaram o “mal do século”,
sentimento de tédio e desilusão que os levava ao desejo de morte, assim como á
fuga para a infância e para a natureza. A representação da mulher era ambígua,
associando sexualização e idealização.
O individualismo extremado tendia ora
ao confessionário, ora ao sarcasmo.
·
Casimiro de Abreu:
ingenuidade e memória
(Casemiro José Marques de
Abreu, nascido em 1839, morto 1860. É um dos mais populares poetas do
Romantismo, graças á linguagem simples e ao lirismo ingênuo contidos em seus
poemas.)
Casimiro de Abreu (1839-1860) é um dos
poetas mais populares do Romantismo em língua portuguesa. A linguagem fácil e a
qualidade musical de sua obra são as principais causas disso.
Leia um trecho do poema “amor e medo”,
um dos mais conhecidos do escritor.
“[...]
Oh! Não me chames coração de gelo!
Bem vês: traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito,
És bela – eu moço; tens amor, eu – medo!...
[...]
(Abreu, Casimiro de. Poesia. 4. Ed. Rio de Janeiro:
Agir, 1974)
Carregado de erotismo, o poema trata o
amor como um fato, e não como uma expectativa: a amada provoca o eu lírico, queixando-se
de sua frieza; este, entretanto, confessa seu temor. A contradição entre desejo
e medo sintetiza uma das questões mais relevantes para a geração
ultrarromântica: o eu lírico ama intensamente, mas teme perder o controle e,
assim perverter a essência angelical da amada.
A complexidade alcançada nesse texto,
entretanto, não se estende ao conjunto da produtividade de Casimiro de Abreu.
Nela, diferentemente da obra dos demais ultrarromânticos, predominam amores
mais palpáveis e uma melancolia muito sutil.
Também estão muito presente em sua obra
tanto o universo público da burguesia brasileira (os bailes, por exemplo)
quanto as situações vividas na intimidade do lar. Mesmo ao tratar do tema
“saudade da pátria”, Casimiro de Abreu condiciona seu nacionalismo á recordação
da infância e do convívio familiar. Aborda da mesma forma a natureza do país:
para retratá-la, toma como referência as paisagens em que viveu.
·
Álvares de Azevedo: “medalha
de duas faces”
(Manuel Antônio Álvares
de Azevedo, nascido em 1831, morto em 1852. Nascido em São Paulo, onde estudou
Direito, teve vida boêmia e tumultuada. É o melhor representante da poesia
ultra-romântica.)
Álvares de Azevedo (1831-1852) escreveu
seu único livro de poemas – Lira dos
vintes anos – quando cursava a Academia de Direito de São Paulo. A dualidade entre idealismo e realismo se
manifesta na organização do livro, descrito pelo autor como uma “medalha de
duas faces”.
A obra é composta por duas partes
principais. A primeira, mais longa, contém temas mais comumente associados a
Álvares de Azevedo: a atração pela morte – desdobrada em morbidez, tédio,
pessimismo e autodestruição – e o erotismo reprimido pela culpa, ambos tratados
de forma séria e exageradamente sentimental. Na segunda parte estão poemas mais
leves e irônicos, baseados na realidade e com a presença do humor, contrastando
com os temas e o tom da primeira parte. Há uma terceira parte, complementar á
primeira, inserida em edição posterior.
Apesar de ter cultivado o
ultrarromantismo até o desgaste, algumas vezes recorrendo a fórmulas prontas,
Álvares de Azevedo também se mostra consciente e crítico sobre essa tendência.
Leia o que o poeta diz no prefácio da
segunda parte de Lira dos vinte anos.
“ Cuidado, leitor, ao voltar esta página![..]
A razão é simples. É
que a unidade deste livro funda-se numa binomia.
Duas almas que moram nas cavernas de um cérebro pouco mais
ou menos de poeta escreveram este livro, verdadeira medalha de duas faces.
Demais, perdoem-me
os poetas do tempo, isto aqui é um tema, senão mais novo, menos esgotado ao
menos que o sentimentalismo tão fashionable desde Werther e René.
Por um espírito de contradição, quando os homens se veem
inundados de páginas amorosas, preferem um conto de Boccaccio, uma caricatura
de Rabelais, uma cena de Falstaff no Henrique IV de Shakespeare, um provérbio
fantástico daquele polisson Alfredo de Mussset, a todas as ternuras
elegíacas dessa poesia de arremedo que anda na moda[...].
(Azevedo, Álvares de. Lira dos vinte anos. Porto Alegre:
L&PM, 1998, p, 119.)
Ciente de sua contradição, o poeta
defende a necessidade de renovar a literatura. Note seu tom agressivo quando
afirma haver uma “poesia de arremedo” dos autores sentimentais, como Goethe e
Chateaubriand – autores de Os sofrimentos
do jovem Werther e René, respectivamente. Como contraponto á maçante
leitura dos ultrarromânticos, Álvares de Azevedo retoma uma poesia inspirada
nas narrativas satíricas de Boccaccio, na ironia de Rabelais, nas cenas cômicas
de Shakespare e no humor cáustico de Alfredo de Musset. Para isso, aplica na
segunda parte da Lira dos vinte anos o sarcasmo e o realismo no tratamento de
seus temas, como se vê nestas estrofes extraídas de “Minha desgraça”.
“Minha desgraça, não, não é ser poeta,
Nem na terra de amor não ter um eco,
E meu anjo de Deus, o meu planeta
Tratar-me como trata-se um boneco...
[...]
Minha desgraça, ó cândida donzela,
O que faz que o meu peito assim blasfema,
É ter para escrever todo um poema,
E não ter um vintém para uma vela.
(Azevedo, Álvares de. Lira dos vinte anos. Porto Alegre:
L&PM, 1998. P. 195).
Embora contenha uma queixa pessoal, o
poema foge dos padrões da poesia pessimista e melancólica. Além de reverter os
chavões românticos, o eu lírico substitui o tom melancólico pelo jocoso. Os
últimos versos fazem referências á situação de produção do poema, que, para ser
escrito, depende da luz de um objeto banal – uma vela – inacessível ao eu
lírico. Assim, os tormentos amorosos e existenciais mencionados ironicamente
por ele perdem importância diante do aborrecimento prático.
Noite na taverna: byronismo brasileiro
Na obra em prosa Noite na taverna, mais do que em seus poemas, Álvares de Azevedo
filia-se á escola de Byron, escritor britânico que exerceu grande influência
sobre os jovens artistas e intelectuais do século XIX. Desperdiçando dinheiro e
atirando-se sem hesitar ao prazer e ao perigo, Byron viveu concretamente o
desregramento. Escandalizou a sociedade com seus envolvimentos amorosos e
participou de vários movimentos revolucionários, até morrer na luta pela
independência da Grécia. Essas experiências pessoais intensas marcaram sua obra
com rebeldia, pessimismo, irreverência e satanismo.
Observe, no trecho a seguir, extraído
de Noite na taverna, com Álvares de
Azevedo foi inspirado por Byron.
“ Quando dei acordo de mim estava num lugar escuro: as
estrelas passavam seus raios brancos entre as vidraças de um templo. As luzes
de quatro círios batiam num caixão entreaberto. Abri-o: era o de uma moça.
Aquele branco da mortalha, as grinaldas da morte na fronte dela, naquela tez
lívida e embraçada, o vidrento dos olhos mal apertados... Era uma defunta!... e
aqueles traços todos me lembraram uma ideia perdida... – Era o anjo do
cemitério! Cerrei as portas da igreja, que, ignoro por quê, eu achava abertas.
Tomei o cadáver nos meus braços para fora do caixão. Pesava como chumbo.
[...] Tomei-a no colo. Preguei-lhe mil beijos nos lábios.
Ela era bela assim: rasguei lhe o sudário, despi-lhe o véu e a capela como o
noivo os despe á noiva. Era uma forma puríssima. Meus sonhos nunca me tinham
evocado uma estátua tão perfeita. Era mesmo uma estátua: tão branca era ela. A
luz dos tocheiros dava-lhe aquela palidez de âmbar que lustra os mármores
antigos. [..]
(Azevedo, Álvares de. Noite na taverna. 2. Ed. São Paulo:
Nova Alexandria, 1997. P. 23-24.)
A narrativa busca despertar espanto no
leitor. É essa a reação esperada diante de uma história sobre um homem que
satisfaz seu desejo com uma jovem morta, desprezando qualquer moral ou
religiosa.
Esse clima de vício e de descontrole
caracteriza as narrativas de Noite na
taverna. Nelas, assassinatos, incesto, canibalismo, necrofilia e loucura
são praticados em ambientes corrompidos e povoados por figuras fantasmagóricas.
O amor romântico permanece como referência indireta – está, por exemplo, na
menção á beleza e à beleza e à pureza da defunta -, mas se associa ao prazer
desmedido e à morte, além de aparecer como justificativa das ações criminosas.
A obra é composta por sete capítulos.
No primeiro, que funciona como uma “moldura” dos demais, um narrador em
terceira pessoa apresenta o cenário – uma taverna – e as personagens – jovens
embriagados dispostos a contar histórias sanguinolentas. Esse narrador aparece
muito pouco nos capítulos seguintes: apenas introduz diálogos, pontua o estado
psicológico das personagens ou acrescenta dados relativos ao tempo e ao espaço.
Assim, a voz narrativa é transferida para as outras personagens.
Nos cinco capítulos subsequentes, cada
um dos jovens narra lembranças do passado – as quais, pelo conteúdo macabro e
chocante, revelam personalidades ensandecidas.
O sexto capítulo, penúltimo do livro, é
narrado por Johann e envolve duas personagens. No capítulo final, o narrador
principal retorna, mostrando Johann e os demais na taverna. Então, aprecem as
personagens da narrativa de Johann em busca de vingança.
Noite na taverna é considerado o melhor
exemplo do horror na literatura brasileira e, independentemente dos exageros,
desperta o interesse dos leitores pela força imaginativa e pela apropriação dos
modelos da arte europeia.
Teatro: Imaginação e denúncia social
A experiência de Álvares de Azevedo
como dramaturgo deu-se com a escrita de Macário. O texto é teatral, mas se
presta mais à leitura do que à encenação no palco porque não apresenta rubricas
(instruções para a encenação).
A peça é composta por dois episódios.
No primeiro, o jovem Macário, em viagem para realizar seus estudos, encontra um
estranho – que descobre ser Satã. Este o leva até São Paulo e lhe mostra os
habitantes da cidade. O episódio termina quando Macário acorda em uma pensão e
conclui ter sonhado com a viagem, mas logo nota marcas de pés de cabra no chão.
No segundo episódio, Macário e outros
estudantes estão na Europa e se mostram desiludidos na busca pelo amor puro.
Penseroso, um dos estudantes mais melancólicos, comete suicídio. Antes disso,
tem uma discussão com Macário acerca da produção artística brasileira. No
desfecho, Satã leva Macário até uma taverna, onde o jovem ouvirá estranhas
narrativas.
Trecho do primeiro episódio, no qual
São Paulo é tematizada.
SATÃ
Mulheres, padres,
soldados e estudantes. As mulheres são mulheres, os padres são soldados, e os
soldados são padres, os estudantes são estudantes: para falar mais claro: as
mulheres são lascivas, os padres dissolutos, os soldados ébrios, os estudantes
vadios. Isto salvo honrosas exceções, por exemplo, de amanhã em diante, tu.
MACÁRIO
Esta cidade devia ter o teu nome.
SATÃ
Tem o de um santo: é
quase o mesmo. Não é o hábito que faz um monge. Demais, essa terra é devassa
como uma cidade, insípida como uma vila, e pobre como uma aldeia. Se não estás
reduzido a dar-te ao pagode, a suicidar-se de spleen, ou a alumiar-te a
rolo, não entres lá. É a monotonia do tédio. Até as calçadas!”
(Azevedo, Álvares de. Macário, Noite na taverna. São Paulo:
Globo, 2007. P. 41)
Na peça, o ambiente, o assunto, o tom e
as personagens (voltadas para os prazeres proibidos e vivendo na marginalidade)
revelam a grande influência do ultrarromantismo de Byron e dos escritores da
literatura de horror. Apesar do aspecto fantástico, contudo, a realidade se
impõe pela escolha do cenário: São Paulo, seus habitantes e costumes,
mencionados geralmente sob uma perspectiva crítica.
·
Fagundes Varela: Poeta
Maldito
(Luís Nicolau Fagundes
Varela, nascido em 1841, morto em 1875. Estudou direito em São Paulo e em
Recife. Teve como marco em sua vida a morto do primeiro filho. Apesar de muito
religioso, levou uma vida desregrada, boêmia.)
Fagundes Varela (1841-1875) viveu
concretamente a experiência do “poeta maldito”: artista socialmente deslocado,
que procura em vão elevar a alma pela poesia e expandir a sensibilidade de seus
contemporâneos. Essa condição explica inúmeros conflitos traduzidos em sua
poética, entre eles a oposição entre o campo e a cidade, vista nas estrofes
finais de “A roça”.
A roça
[...]
Voto horror às grandezas do mundo,
Mar coberto de horríveis parcéis,
Vejo as pompas e galas da vida
De um cendal de poeira através
[...]
Mas um gênio impiedoso me arrasta,
Me arremessa do vulgo ao vaivém,
E eu soluço nas ondas olhando
Minha serras queridas além!”
(Varela, Fagundes. Poemas de Fagundes Varela. São Paulo:
Cultrix, 1982. P. 92-93)
O eu lírico sofre por estar dividido
entre os prazeres urbanos, considerados deploráveis por ele, e o espaço
natural, que o tranquiliza. Frequentemente, ao recorrer à fuga para natureza
acolhedora, espelho do divino, Varela mostra sua incompatibilidade com a vida
em sociedade.
Em alguns poemas, no entanto, o
conflito interior é substituído por passagens mais realistas. O poema “Mimosa”,
por exemplo, se aproxima da temática do amor efetivamente concretizado, oposto
ao amor idealizado da primeira geração romântica. O poeta também manifesta
preocupação com a temática social em poemas voltados às campanhas
abolicionistas e republicanas.
A tendência ao realismo, contudo, não
predomina no conjunto dos textos, sendo superada pela poesia egocêntrica, marcada pela forte melancolia e pelo desejo de
morte. Mesmo poemas críticos, que denunciam as hipocrisias do
trato social, como “A roça”, têm um viés subjetivo, isto é, apontam pata o eu.
A trajetória pessoal de
excentricidades, errância e alcoolismo contribuiu para reforçar a sensação de
mal-estar transmitida em seus poemas. De todas as experiências dolorosas
transformadas em material de poesia, a mais significativa parece ter sido a do
falecimento do primeiro filho do
escritor, ainda bebê. Para ele, Varela compôs “Cântico do calvário”.
Cântico do calvário
Eras na vida a pomba predileta
Que sobre um mar de angústias conduzia
O ramo da esperança. – Eras a estrela
Que entre as névoas do inverno ao cintilava.
Apontando o caminho ao pegureiro
Eras a messe de um dourado estio.
Eras o idílio de um amor sublime.
Eras a glória, - a inspiração, - a pátria,
O porvir de teu pai! – Ah! No entanto,
Pomba, - varou-te a flecha do destino!
Astro, - engoliu-te o temporal do norte!
Teto - caíste! –
Crença, já não vives!
[...]
(Varela, Fagundes. Poemas de Fagundes Varela. São Paulo:
Cultrix, 1982. P. 67-68)
Essa canção fúnebre é construída pelo
acúmulo de imagens poéticas, criadas com o intuito de evidenciar um eu interior
despedaçado. O poema se estende por 168 versos e se encerra com certas
positividade: a certeza do voo do filho para junto de Deus devolve ao eu lírico
a vontade de viver para resgatar a própria alma.
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