sexta-feira, 31 de julho de 2015

ESCRITORES DO ROMANTISMO BRASILEIRO – SEGUNDA GERAÇÃO


A segunda geração romântica, também chamada ultrarromântica ou byroniana. Os poetas dessa geração cultivaram o “mal do século”, sentimento de tédio e desilusão que os levava ao desejo de morte, assim como á fuga para a infância e para a natureza. A representação da mulher era ambígua, associando sexualização e idealização.
O individualismo extremado tendia ora ao confessionário, ora ao sarcasmo.

·         Casimiro de Abreu: ingenuidade e memória
(Casemiro José Marques de Abreu, nascido em 1839, morto 1860. É um dos mais populares poetas do Romantismo, graças á linguagem simples e ao lirismo ingênuo contidos em seus poemas.)
Casimiro de Abreu (1839-1860) é um dos poetas mais populares do Romantismo em língua portuguesa. A linguagem fácil e a qualidade musical de sua obra são as principais causas disso.
Leia um trecho do poema “amor e medo”, um dos mais conhecidos do escritor.
“[...]
Oh! Não me chames coração de gelo!
Bem vês: traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito,
És bela – eu moço; tens amor, eu – medo!...
[...]
(Abreu, Casimiro de. Poesia. 4. Ed. Rio de Janeiro: Agir, 1974)
Carregado de erotismo, o poema trata o amor como um fato, e não como uma expectativa: a amada provoca o eu lírico, queixando-se de sua frieza; este, entretanto, confessa seu temor. A contradição entre desejo e medo sintetiza uma das questões mais relevantes para a geração ultrarromântica: o eu lírico ama intensamente, mas teme perder o controle e, assim perverter a essência angelical da amada.
A complexidade alcançada nesse texto, entretanto, não se estende ao conjunto da produtividade de Casimiro de Abreu. Nela, diferentemente da obra dos demais ultrarromânticos, predominam amores mais palpáveis e uma melancolia muito sutil.
Também estão muito presente em sua obra tanto o universo público da burguesia brasileira (os bailes, por exemplo) quanto as situações vividas na intimidade do lar. Mesmo ao tratar do tema “saudade da pátria”, Casimiro de Abreu condiciona seu nacionalismo á recordação da infância e do convívio familiar. Aborda da mesma forma a natureza do país: para retratá-la, toma como referência as paisagens em que viveu.

·         Álvares de Azevedo: “medalha de duas faces”
(Manuel Antônio Álvares de Azevedo, nascido em 1831, morto em 1852. Nascido em São Paulo, onde estudou Direito, teve vida boêmia e tumultuada. É o melhor representante da poesia ultra-romântica.)
Álvares de Azevedo (1831-1852) escreveu seu único livro de poemas – Lira dos vintes anos – quando cursava a Academia de Direito de São Paulo.  A dualidade entre idealismo e realismo se manifesta na organização do livro, descrito pelo autor como uma “medalha de duas faces”.
A obra é composta por duas partes principais. A primeira, mais longa, contém temas mais comumente associados a Álvares de Azevedo: a atração pela morte – desdobrada em morbidez, tédio, pessimismo e autodestruição – e o erotismo reprimido pela culpa, ambos tratados de forma séria e exageradamente sentimental. Na segunda parte estão poemas mais leves e irônicos, baseados na realidade e com a presença do humor, contrastando com os temas e o tom da primeira parte. Há uma terceira parte, complementar á primeira, inserida em edição posterior.
Apesar de ter cultivado o ultrarromantismo até o desgaste, algumas vezes recorrendo a fórmulas prontas, Álvares de Azevedo também se mostra consciente e crítico sobre essa tendência.
Leia o que o poeta diz no prefácio da segunda parte de Lira dos vinte anos.
“ Cuidado, leitor, ao voltar esta página![..]
  A razão é simples. É que a unidade deste livro funda-se numa binomia.
Duas almas que moram nas cavernas de um cérebro pouco mais ou menos de poeta escreveram este livro, verdadeira medalha de duas faces.
  Demais, perdoem-me os poetas do tempo, isto aqui é um tema, senão mais novo, menos esgotado ao menos que o sentimentalismo tão fashionable desde Werther e René.
Por um espírito de contradição, quando os homens se veem inundados de páginas amorosas, preferem um conto de Boccaccio, uma caricatura de Rabelais, uma cena de Falstaff no Henrique IV de Shakespeare, um provérbio fantástico daquele polisson Alfredo de Mussset, a todas as ternuras elegíacas dessa poesia de arremedo que anda na moda[...].
(Azevedo, Álvares de. Lira dos vinte anos. Porto Alegre: L&PM, 1998, p, 119.) 
Ciente de sua contradição, o poeta defende a necessidade de renovar a literatura. Note seu tom agressivo quando afirma haver uma “poesia de arremedo” dos autores sentimentais, como Goethe e Chateaubriand – autores de Os sofrimentos do jovem Werther e René, respectivamente. Como contraponto á maçante leitura dos ultrarromânticos, Álvares de Azevedo retoma uma poesia inspirada nas narrativas satíricas de Boccaccio, na ironia de Rabelais, nas cenas cômicas de Shakespare e no humor cáustico de Alfredo de Musset. Para isso, aplica na segunda parte da Lira dos vinte anos o sarcasmo e o realismo no tratamento de seus temas, como se vê nestas estrofes extraídas de “Minha desgraça”.

“Minha desgraça, não, não é ser poeta,
Nem na terra de amor não ter um eco,
E meu anjo de Deus, o meu planeta
Tratar-me como trata-se um boneco...
[...]
Minha desgraça, ó cândida donzela,
O que faz que o meu peito assim blasfema,
É ter para escrever todo um poema,
E não ter um vintém para uma vela.


(Azevedo, Álvares de. Lira dos vinte anos. Porto Alegre: L&PM, 1998. P. 195).
Embora contenha uma queixa pessoal, o poema foge dos padrões da poesia pessimista e melancólica. Além de reverter os chavões românticos, o eu lírico substitui o tom melancólico pelo jocoso. Os últimos versos fazem referências á situação de produção do poema, que, para ser escrito, depende da luz de um objeto banal – uma vela – inacessível ao eu lírico. Assim, os tormentos amorosos e existenciais mencionados ironicamente por ele perdem importância diante do aborrecimento prático.

Noite na taverna: byronismo brasileiro

Na obra em prosa Noite na taverna, mais do que em seus poemas, Álvares de Azevedo filia-se á escola de Byron, escritor britânico que exerceu grande influência sobre os jovens artistas e intelectuais do século XIX. Desperdiçando dinheiro e atirando-se sem hesitar ao prazer e ao perigo, Byron viveu concretamente o desregramento. Escandalizou a sociedade com seus envolvimentos amorosos e participou de vários movimentos revolucionários, até morrer na luta pela independência da Grécia. Essas experiências pessoais intensas marcaram sua obra com rebeldia, pessimismo, irreverência e satanismo.
Observe, no trecho a seguir, extraído de Noite na taverna, com Álvares de Azevedo foi inspirado por Byron.
“ Quando dei acordo de mim estava num lugar escuro: as estrelas passavam seus raios brancos entre as vidraças de um templo. As luzes de quatro círios batiam num caixão entreaberto. Abri-o: era o de uma moça. Aquele branco da mortalha, as grinaldas da morte na fronte dela, naquela tez lívida e embraçada, o vidrento dos olhos mal apertados... Era uma defunta!... e aqueles traços todos me lembraram uma ideia perdida... – Era o anjo do cemitério! Cerrei as portas da igreja, que, ignoro por quê, eu achava abertas. Tomei o cadáver nos meus braços para fora do caixão. Pesava como chumbo.
[...] Tomei-a no colo. Preguei-lhe mil beijos nos lábios. Ela era bela assim: rasguei lhe o sudário, despi-lhe o véu e a capela como o noivo os despe á noiva. Era uma forma puríssima. Meus sonhos nunca me tinham evocado uma estátua tão perfeita. Era mesmo uma estátua: tão branca era ela. A luz dos tocheiros dava-lhe aquela palidez de âmbar que lustra os mármores antigos. [..]
(Azevedo, Álvares de. Noite na taverna. 2. Ed. São Paulo: Nova Alexandria, 1997. P. 23-24.)
A narrativa busca despertar espanto no leitor. É essa a reação esperada diante de uma história sobre um homem que satisfaz seu desejo com uma jovem morta, desprezando qualquer moral ou religiosa.
Esse clima de vício e de descontrole caracteriza as narrativas de Noite na taverna. Nelas, assassinatos, incesto, canibalismo, necrofilia e loucura são praticados em ambientes corrompidos e povoados por figuras fantasmagóricas. O amor romântico permanece como referência indireta – está, por exemplo, na menção á beleza e à beleza e à pureza da defunta -, mas se associa ao prazer desmedido e à morte, além de aparecer como justificativa das ações criminosas.
A obra é composta por sete capítulos. No primeiro, que funciona como uma “moldura” dos demais, um narrador em terceira pessoa apresenta o cenário – uma taverna – e as personagens – jovens embriagados dispostos a contar histórias sanguinolentas. Esse narrador aparece muito pouco nos capítulos seguintes: apenas introduz diálogos, pontua o estado psicológico das personagens ou acrescenta dados relativos ao tempo e ao espaço. Assim, a voz narrativa é transferida para as outras personagens.
Nos cinco capítulos subsequentes, cada um dos jovens narra lembranças do passado – as quais, pelo conteúdo macabro e chocante, revelam personalidades ensandecidas.
O sexto capítulo, penúltimo do livro, é narrado por Johann e envolve duas personagens. No capítulo final, o narrador principal retorna, mostrando Johann e os demais na taverna. Então, aprecem as personagens da narrativa de Johann em busca de vingança.
Noite na taverna é considerado o melhor exemplo do horror na literatura brasileira e, independentemente dos exageros, desperta o interesse dos leitores pela força imaginativa e pela apropriação dos modelos da arte europeia.

 Teatro: Imaginação e denúncia social

A experiência de Álvares de Azevedo como dramaturgo deu-se com a escrita de Macário. O texto é teatral, mas se presta mais à leitura do que à encenação no palco porque não apresenta rubricas (instruções para a encenação).
A peça é composta por dois episódios. No primeiro, o jovem Macário, em viagem para realizar seus estudos, encontra um estranho – que descobre ser Satã. Este o leva até São Paulo e lhe mostra os habitantes da cidade. O episódio termina quando Macário acorda em uma pensão e conclui ter sonhado com a viagem, mas logo nota marcas de pés de cabra no chão.
No segundo episódio, Macário e outros estudantes estão na Europa e se mostram desiludidos na busca pelo amor puro. Penseroso, um dos estudantes mais melancólicos, comete suicídio. Antes disso, tem uma discussão com Macário acerca da produção artística brasileira. No desfecho, Satã leva Macário até uma taverna, onde o jovem ouvirá estranhas narrativas.
Trecho do primeiro episódio, no qual São Paulo é tematizada.

SATÃ
    Mulheres, padres, soldados e estudantes. As mulheres são mulheres, os padres são soldados, e os soldados são padres, os estudantes são estudantes: para falar mais claro: as mulheres são lascivas, os padres dissolutos, os soldados ébrios, os estudantes vadios. Isto salvo honrosas exceções, por exemplo, de amanhã em diante, tu.
MACÁRIO
Esta cidade devia ter o teu nome.
SATÃ
 Tem o de um santo: é quase o mesmo. Não é o hábito que faz um monge. Demais, essa terra é devassa como uma cidade, insípida como uma vila, e pobre como uma aldeia. Se não estás reduzido a dar-te ao pagode, a suicidar-se de spleen, ou a alumiar-te a rolo, não entres lá. É a monotonia do tédio. Até as calçadas!”
(Azevedo, Álvares de. Macário, Noite na taverna. São Paulo: Globo, 2007. P. 41)
Na peça, o ambiente, o assunto, o tom e as personagens (voltadas para os prazeres proibidos e vivendo na marginalidade) revelam a grande influência do ultrarromantismo de Byron e dos escritores da literatura de horror. Apesar do aspecto fantástico, contudo, a realidade se impõe pela escolha do cenário: São Paulo, seus habitantes e costumes, mencionados geralmente sob uma perspectiva crítica.
·        
      Fagundes Varela: Poeta Maldito
(Luís Nicolau Fagundes Varela, nascido em 1841, morto em 1875. Estudou direito em São Paulo e em Recife. Teve como marco em sua vida a morto do primeiro filho. Apesar de muito religioso, levou uma vida desregrada, boêmia.)
Fagundes Varela (1841-1875) viveu concretamente a experiência do “poeta maldito”: artista socialmente deslocado, que procura em vão elevar a alma pela poesia e expandir a sensibilidade de seus contemporâneos. Essa condição explica inúmeros conflitos traduzidos em sua poética, entre eles a oposição entre o campo e a cidade, vista nas estrofes finais de “A roça”.

A roça


[...]
Voto horror às grandezas do mundo,
Mar coberto de horríveis parcéis,
Vejo as pompas e galas da vida
De um cendal de poeira através
[...]
Mas um gênio impiedoso me arrasta,
Me arremessa do vulgo ao vaivém,
E eu soluço nas ondas olhando
Minha serras queridas além!”


(Varela, Fagundes. Poemas de Fagundes Varela. São Paulo: Cultrix, 1982. P. 92-93)
O eu lírico sofre por estar dividido entre os prazeres urbanos, considerados deploráveis por ele, e o espaço natural, que o tranquiliza. Frequentemente, ao recorrer à fuga para natureza acolhedora, espelho do divino, Varela mostra sua incompatibilidade com a vida em sociedade.
Em alguns poemas, no entanto, o conflito interior é substituído por passagens mais realistas. O poema “Mimosa”, por exemplo, se aproxima da temática do amor efetivamente concretizado, oposto ao amor idealizado da primeira geração romântica. O poeta também manifesta preocupação com a temática social em poemas voltados às campanhas abolicionistas e republicanas.
A tendência ao realismo, contudo, não predomina no conjunto dos textos, sendo superada pela poesia egocêntrica, marcada pela forte melancolia e pelo desejo de morte.  Mesmo poemas críticos, que denunciam as hipocrisias do trato social, como “A roça”, têm um viés subjetivo, isto é, apontam pata o eu.
A trajetória pessoal de excentricidades, errância e alcoolismo contribuiu para reforçar a sensação de mal-estar transmitida em seus poemas. De todas as experiências dolorosas transformadas em material de poesia, a mais significativa parece ter sido a do falecimento  do primeiro filho do escritor, ainda bebê. Para ele, Varela compôs “Cântico do calvário”.

Cântico do calvário


Eras na vida a pomba predileta
Que sobre um mar de angústias conduzia
O ramo da esperança. – Eras a estrela
Que entre as névoas do inverno ao cintilava.
Apontando o caminho ao pegureiro
Eras a messe de um dourado estio.
Eras o idílio de um amor sublime.
Eras a glória, - a inspiração, - a pátria,
O porvir de teu pai! – Ah! No entanto,
Pomba, - varou-te a flecha do destino!
Astro, - engoliu-te o temporal do norte!
Teto -  caíste! – Crença, já não vives!
[...]


(Varela, Fagundes. Poemas de Fagundes Varela. São Paulo: Cultrix, 1982. P. 67-68)
Essa canção fúnebre é construída pelo acúmulo de imagens poéticas, criadas com o intuito de evidenciar um eu interior despedaçado. O poema se estende por 168 versos e se encerra com certas positividade: a certeza do voo do filho para junto de Deus devolve ao eu lírico a vontade de viver para resgatar a própria alma.


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