sexta-feira, 31 de julho de 2015

ESCRITORES DO ROMANTISMO BRASILEIRO – TERCEIRA GERAÇÃO


Na terceira fase do movimento romântico, o Brasil já se encontra em outro contexto social e histórico. É o momento em que os republicanos querem acabar com a monarquia e o movimento abolicionista ganha força entre os intelectuais. Por isso, a terceira fase do Romantismo também é conhecida como geração condoreira, pois o condor é uma ave que, voando muito alto, representa o desejo de renovação da sociedade brasileira.

·         Castro Alves: a superação do Egocentrismo
(Antônio Frederico de Castro Alves, nascido em 1847, morto em 1871. Estudou Direito – em Recife e São Paulo -, destacou-se como poeta revolucionário, expressou indignação contra as tiranias e opressões. Teve vida boêmia e morreu muito jovem.)
Castro Alves (1847-1871) é considerado o maior nome da poesia social romântica, também conhecida como poesia condoreira. Escreveu em uma época de transformações sociais, quando o Império mostrava sinais de decadência e já havia campanhas que atraíam a juventude acadêmica para a causa republicana e abolicionista.
O poeta tratou das questões nacionais com uma postura crítica, distante do nacionalismo ufanista, como demostra esse fragmento de poema.

Ao romper d’alva


[...]
Oh! Deus! Não ouves d’entre a imensa orquestra
Que a natureza virgem manda em festa
Soberba, senhoril
Um grito que soluça, aflito, vivo,
O retinir dos ferros do cativo,
Um som discorde e vil¿
[...]


(Alves, Castro. Os escravos. São Paulo: Martins, 1972. P. 19-20)
O texto dá à natureza um tratamento diferente do concedido pelos primeiros românticos, pois a crítica à escravidão é feita justamente pelo confronto entre os sons próprios da natureza festiva e os sons associados à condição servil do negro (gritos e ruídos de ferros).
Um poema como esse revelava um lado nada glorioso do país que, até então, havia sido ignorado pelo movimento romântico.
Entre os temas sociais abordados por Castro Alves, o mais importante foi a denúncia da escravidão, que lhe valeu o epíteto (a qualificação) de “Poeta dos Escravos”. O autor fez do negro seu protagonista e mudou a orientação do Romantismo: em vez demostrar o escritor voltado para si mesmo, mostrou-o atento ao mundo e combatendo suas injustiças.

Ø  Poesia social: comover para persuadir

Influenciado pelo poeta francês Victor Hugo, Castro Alves escreveu uma poesia que pretendia sensibilizar o leitor para a questão do trabalho escravo, preferindo persuadir com base na emoção a convencer pela argumentação. Seus poemas retratam a natureza humana do negro escravizado, realidade até então ignorada.
A linguagem utilizada por Castro Alves tem um tom grandioso e emocional, adequando à declamação persuasiva e envolvente em espaços públicos -  em geral, os poemas eram apresentados em locais como praças e teatros. Experimente ler em voz alta as estrofes do poema reproduzido abaixo.

Vozes d’África


Deus! Ó Deus! Onde estás que não responde¿
Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes
Embuçado nos céus¿
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus¿
Qual Prometeu tu me amarraste um dia
Do deserto na rubra penedia
- Infinito: galé!...
Por abrutre – me deste o sol candente,
E a terra de Suez – foi a corrente
Que me ligaste ao pé...
[...]


(Alves, Castro. Poesia. 5. Ed. Rio de Janeiro: Agir, 1977. P. 87-88)
O poema pede do leitor um tom vibrante para dar voz ao continente africano, que reclama a reparação da injustiça e o fim dos crimes contra seu povo. As metáforas e comparações, acompanhadas do apelo inicial dirigido a Deus, tornam o texto sonoramente impactante. O abundante emprego de figuras de linguagem é uma das marcas da poesia de Castro Alves.

Ø  Poesia amorosa: superação das convenções



Em certos poemas, Castro Alves ainda se alinha com a segunda geração do Romantismo. Há neles traços da morbidez byroniana, da sensualidade reprimida e da melancolia características dessa geração. Não é esse, porém, o tom da maioria dos poemas do escritor, que subvertem as convenções da conduta amorosa romântica.

Boa-noite


“Boa-noite, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio.
Boa-noite, Maria! É tarde...é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio.
Boa-noite!... E tu dizes – Boa-noite.
Mas não mo digas descobrindo o peito
- Mar de amor onde vagam meus desejos.
[...]


(Alves, Castro. Poesia. 5. Ed. Rio de Janeiro: Agir, 1977. P. 39)
Em “Boa-noite”, apresenta-se uma mulher sensual e ativa: Maria recusa a partida do eu lírico e procura reverter sua decisão, seduzindo-o com seu corpo e seus beijos, o que revela uma mulher consciente de seus desejos. Por outro lado, embora a intenção do eu lírico de se afastar tenha semelhança com os modelos do ultrarromantismo, ele não é motivado pelo medo – o poema, considerado integralmente, sugere que a partida vai ocorrer tarde da noite, após o encontro amoroso.
Castro Alves substituiu a figura da virgem idealizada pela mulher concreta, corpórea. Essa transformação revela a superação do amor adolescente, que marcava os ultrarromânticos com suas confissões de medo e culpa, e a aceitação do envolvimento amoroso como experiência de prazer.
“ Navio negreiro” é o poema mais famoso de Castro Alves. Quando foi composto, em 1868, o tráfico de escravizados já estava proibido no país; contudo, a escravidão e seus efeitos persistiam. Para denunciar a condição desumana dos escravos, o poeta expôs o drama dos negros em sua travessia da África para o Brasil. Leia um trecho:


“[...]
Negras mulheres, suspendendo ás tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças... mas nuas, espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs.
E ri-se a orquestra, irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais
Se o velho arqueja... se no chão resvala
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
[...]


(Alves, Castro. Poesia. 5. Ed. Rio de Janeiro: Agir, 1977. P. 78-79)



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